terça-feira, 23 de abril de 2019


NOTÍCIAS SOBRE A PRIVATIZAÇÃO
 OPINIÃO DO CONSELHEIRO


O Conselheiro Eleito, representante dos trabalhadores, recebeu nas últimas semanas inúmeras mensagens de empregados e ex-empregados da ECT, acerca das manifestações de autoridades sobre a privatização dos Correios, em especial do secretário de Desestatização e Desinvestimento do Ministério da Economia.

Sobre o tema, cabem algumas reflexões:

Inicialmente, causa espécie uma das afirmações do referido secretário de que apenas 3 (três) empresas continuariam sendo estatais, como se em tão pouco tempo do novo governo já houvesse sido realizado completo mapeamento das 134 empresa estatais federais e dos seus respectivos mercados de atuação, a ponto de se ter um quadro conclusivo de viabilidade econômico-financeira de cada uma das referidas empresas e dos seus eventuais processos de privatização.

Importante informar que, conforme levantamento realizado pela OCDE, com dados de 2015, países desenvolvidos como Alemanha e França tinham, respectivamente, 71 e 51 empresas estatais federais. Mesmo a Inglaterra e os Estados Unidos, que passaram por rigorosas gestões neoliberais nos anos 80, com vigorosos processos de privatização, mantinham cada um 16 empresas estatais federais.

Assim, não se pode considerar razoável, que em apenas 4 (quatro) anos, o governo pretenda transformar o Brasil no novo paradigma dos mercados liberais, com a menor presença do Estado na economia do que nos principais países do mundo.  Ainda mais se forem observadas as nossas gigantescas diferenças de infraestrutura e de desenvolvimento em relação a esses países, além das assimetrias internas e necessidades de fomento para diversos setores no país.

No que concerne especificamente à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), à qual o Secretário referiu-se anteriormente como “máquina de ineficiência e corrupção”, cabe inicialmente destacar trecho do artigo de Luiz Carlos Borges da Silveira, sob o título “Foro privilegiado, corruptos e corruptores”, publicado no jornal Estado de São Paulo, no dia 15/07/2018:

Sabidamente, a maior parte dos atos de corrupção vem das empresas, das grandes e organizadas corporações que tomaram de assalto o estado brasileiro, evidentemente, com a conivência e associação a maus políticos, desonestos gestores públicos e dirigentes de estatais e organismos governamentais. Porém, só temos, via de regra, foco nos corruptos, deixando de lado os corruptores – com algumas exceções agora na Lava Jato.
Portanto, é sabido que para prosperar a corrupção é obrigatória a existência dessas duas partes, a que corrompe e a que se deixa corromper, sendo primário o raciocínio de que enquanto houver corruptores haverá corruptos dispostos a delinquir em prejuízo do estado minando recursos que poderiam estar sendo empregados em favor da população, notoriamente carente em assistência governamental.

A máquina de corrupção não se encontra na ECT: Encontra-se na captura de agentes públicos (que são indicados por políticos) e políticos (que são eleitos pelo conjunto da sociedade e não pelos empregados das estatais) por interesses privados de grandes corporações.  A resposta a esse problema é a profissionalização, não a privatização.

Como se sabe, a corrupção sistêmica produz diversos resultados, às vezes intencionais, que afetam o desempenho das organizações, sejam elas públicas ou privadas. Assim, eventuais ineficiências precisam ser compreendidas como efeitos e não como causas a justificarem a privatização de qualquer empresa pública.

No caso da ECT, é importante destacar que a Empresa vem-se mantendo, nos seus 50 anos de criação, como uma estatal não dependente do Tesouro Nacional.  As dificuldades econômico-financeiras observadas nos últimos anos decorrem, conforme apontou a CGU, de um conjunto de fatores já amplamente divulgados, destacando-se a recolhimento excessivo de dividendos para a União, que comprometeu a capacidade de investimento da Empresa; o congelamento tarifário durante dois anos; e a flexibilização de critérios para acesso as funções de confiança, que favoreceu o aparelhamento político-partidário.

Tem o referido Secretário feito uma veemente defesa da privatização da ECT, e afirmado que não faz sentido o Estado ter participação na atividade de Correios. Não se sabe quais são as referências adotadas pelo secretário, mas conforme dados da União Postal Universal – UPU, de 2017, dos 192 países que compõem a entidade, apenas 8 (oito) países têm a empresa de Correios 100% privatizada. No total, apenas 18 países têm participação do capital privado nas empresas de Correios, incluindo as empresas já privatizadas.

Conforme se observa, em nenhum país com as dimensões territoriais e, portanto, com os grandiosos desafios de universalização dos serviços postais, houve a iniciativa de privatização das suas empresas públicas de Correios. Mesmo os Estados Unidos, que dispunha de apenas 16 empresas estatais federais, como já afirmado, tem dentre elas a USPS - Correio Americano - empresa pública de capital fechado.

Os Correios, como um serviço relativo à infraestrutura, promovem a integração econômica e social dos países, fomentando e facilitando as transações econômicas da sociedade, integrando mensagens de publicidade com mensagens transacionais, distribuindo mercadorias, documentos, processando cobranças, pagamentos e provendo logística completa para a sociedade em geral.

Ocorre que muitas dessas operações, executadas em regime público e com deveres de universalização, são estruturalmente deficitárias, não sendo executadas pelos operadores privados em regime de livre concorrência porque não há interesse econômico. Portanto, é predominante a participação do Estado nas empresas de Correios em todo o mundo, de forma a assegurar o amplo acesso da sociedade aos serviços postais.

Afinal, os custos da universalização dos serviços postais são integralmente assumidos pela ECT, sendo que na grande maioria dos países os referidos custos são cobertos pelo estabelecimento de uma área de reserva para o operador; por um fundo de financiamento dos serviços universais, com a contribuição de todos os operadores privados; ou com o repasse direto do tesouro nacional.

Assim, antes de formar opiniões precipitadas sobre a participação do Estado na atividade de Correios, seria recomendado que o Secretário efetivamente compreende-se a natureza dos serviços postais e a estrutura da indústria postal no Brasil e no mundo.

Urge, assim, que. sem apego a ideologias, busquem-se as experiências internacionais em relação ao assunto, analisando-se inclusive os casos mal sucedidos de privatização, a exemplo do que ocorreu na Argentina, e os casos bem sucedidos de capitalização das empresas de Correios, como aconteceu com o Deutsche Post (Correio alemão).

No âmbito interno, deveria compreender que, conforme entendimento do STF na ADPF 46, o serviço postal não consubstancia uma atividade econômica em sentido estrito: serviço postal é serviço público. Portanto, devem ser observadas as características de universalidade e de continuidade dos referidos serviços: em todo o território nacional, a todo cidadão e a preços acessíveis.

Já o setor postal brasileiro hoje é composto por um operador público (ECT) e por diversos operadores privados, nacionais e estrangeiros. O segmento de encomendas, por exemplo, conta com cerca de 200 (duzentos) operadores privados, dentre eles os principais players do mercado internacional, sendo que inexiste monopólio ou área reservada para a prestação dos referidos serviços, como equivocadamente querem fazer crer.

Portanto, antes de uma definição precipitada sobre a natureza do controle do operador público, faz-se necessário o estudo sobre o atual modelo regulatório do setor postal brasileiro, que   apresenta   uma   regulamentação em desconformidade com as novas relações (jurídicas e econômicas) e com a crescente e inevitável densidade de serviços oferecidos em escala mundial pelos agentes privados atuantes no setor.

Com efeito, os diversos operadores privados do setor atuam sem nenhuma regulamentação e sem qualquer fiscalização. Não existem normas de execução dos serviços, padrões de qualidade a serem atendidos e nem obrigações de continuidade e de universalidade para esses operadores, embora os serviços postais sejam constitucionalmente definidos como serviços públicos, em sentido estrito.

É preciso, portanto, contribuir para a discussão acerca de um novo marco regulatório compreensivo dessa nova geração de serviços e da atuação desses novos players, que, sem excluir o papel essencial e histórico do operador público, ofereça suprimentos e complementação de relevante utilidade pública para o intercâmbio de informações e serviços em nível nacional e transnacional.

Afinal, o aperfeiçoamento do setor postal brasileiro não virá apenas com os dogmas e mantras do utopia liberal do “Estado mínimo”, repetidos ad nauseam para uma plateia ávida pelo discurso de privatização, a panaceia que se propõe a curar todos os males do Estado brasileiro. Pois como afirmou Montaigne, em seus ensaios sobre a vaidade, “ninguém está livre de dizer tolices: o imperdoável é dizê-las solenemente”.

No entanto, cabe a todos nós, dirigentes e trabalhadores da ECT, a responsabilidade de contribuir de forma decisiva para o processo em curso de recuperação da qualidade operacional, da condição econômico-financeira da Empresa e da sua confiança perante a sociedade brasileira. 

Certamente, os nossos resultados falarão mais alto do que as nossas opiniões.


MAURÍCIO FORTES GARCIA LORENZO
Conselheiro